A seiva da vida espiritual
O que é a oração? Pergunta simples esta, mas contemporaneamente bastante complexa. Talvez pelo fato de que se refira a uma ação cotidiana, natural daqueles que creem. Definir a oração é como tentar de definir o caminhar, o respirar, viver. O que é viver? São coisas tão presentes na existência dos homens que se torna difícil tentar explicar, quase como se a explicação terminasse por dificultar ainda mais a compreensão. Porém, no que se refere à oração uma compreensão aprofundada da sua natureza e sua dinâmica é sempre útil e valiosa. Estes elementos devem sempre fazer parte da nossa reflexão pessoal e comunitária.
Orar nada mais é que entrar em intimidade com Deus na profundidade do coração e da alma, dando liberdade ao Senhor para nos falar o que quiser, e tendo a prontidão para lhe responder em cada momento. A oração está inscrita na natureza do ser humano, pois este foi criado à imagem e semelhança do Deus uno-trino, que é comunhão divina e que se revela ao homem. Na revelação, Deus se manifesta ao homem criando com ele um relacionamento, o qual se coloca na dinâmica da comunicação, isto é, Deus fala ao ser humano, o qual, em função da revelação divina, já manifestada na sua própria natureza criada, responde filialmente a Deus. A oração, portanto, é a resposta filial do homem ao comunicar-se de Deus.
Nas celebrações litúrgicas, com frequência, ouvimos aquele ditoso convite: “Oremos”. Esta expressão não é apenas uma simplória interjeição, ou uma frase de transição entre duas ações teatrais, nem mesmo convite vazio de significado. Quando, por exemplo, o sacerdote na celebração eucarística pronuncia estas palavras antes de proferir a oração da coleta, ele está convidando a assembleia ali reunida para elevar a Deus suas preces, colocando sob o olhar benigno do Senhor do Universo suas súplicas, suas intenções de oração, seus pedidos e suas necessidades. Ao ouvirmos tal convite nossa postura deveria ser de súplica, abaixando nossas cabeças ou fechando nossos olhos, ou até mesmo elevar nosso olhar ao céu, desde que a postura exterior denotasse a atitude interior do pobre que anseia pela graça que vem do alto. “Como os olhos dos servos estão fixos nas mãos de seus senhores, como os olhos das servas estão fixos nas mãos de suas senhoras, assim nossos olhos estão voltados para o Senhor, nosso Deus, esperando que ele tenha piedade de nós” (Sl 122, 2). E São Cirpiano acrescenta: “Quando nos reunimos com os irmãos e celebramos com o sacerdote de Deus o sacrifício divino, temos de estar atentos à reverência e à disciplina devidas. Não devemos espalhar a esmo preces com palavras desordenadas, nem lanças a Deus com tumultuoso palavrório os pedidos que deveriam ser apresentados com submissão, porque Deus não escuta as palavras, e sim o coração” (Tratado a Fortunato).
“Oremos!”. Não poderia existir convite mais sublime que este que nos é dirigido pelo sacerdote. Pois rezar nos coloca em contato com o Senhor. Obviamente para a pessoa de fé este contato é real e presente em todos os momentos do dia. Um homem e uma mulher que se amam, por mais que o amor e a ternura não se acabe, necessitam de momentos a sós, onde o carinho cresce e aumenta, gerando a alegria do amor terno e a firmeza da fidelidade até o fim. Similarmente, na vida interior, precisamos de momentos de oração simples, onde apenas nos encontramos com o Senhor, seja pessoal ou comunitariamente. Santa Teresa de Calcutá explica: “O meu segredo é muito simples: rezo. Através da oração me apaixono por Cristo” (I messagi di Madre Teresa, 307).
Dito isto, devemos compreender que a oração é o alicerce da vida interior, sem a qual nada podemos realizar concretamente. Podemos comprar nossa vida interior com as folhas de uma árvore. Se a folha deixa de sugar da árvore a seiva que lhe dá vida, esta não morre imediatamente, mas sim começa a secar aos poucos, perde seu brilho natural, suas fibras ressecam e seu caule fica preso à árvore apenas por uma leve camada de fibra vegetal. Nestas circunstâncias aquela folha quase sem vida pode, facilmente, ser arrancada definitivamente do galho pelo menos vento, sendo levada para longe da árvore e pisada pelos que seguem seu caminho. Nada muito diferente do que acontece com a alma daquele que não reza. Sem a seiva divina que brota do coração de Deus na oração, vemos nossa alma ressecar e perder seu brilho, tornando-se amarga e sem vida, incapaz de olhar para o alto e desejar os bens superiores. Um dia, até mesmo sem perceber totalmente, esta alma sofre os golpes de um leve bater do vento, como uma decepção ou uma ilusão de felicidade através de prazeres que não lhe convém mais; esta alma se destaca da fonte da vida interior e segue serena o vento que a conduz, não mais para o alto, onde o Senhor a havia colocado, mas para o chão, onde todos os que passam poderão pisa-la.
Nosso chamado de comunhão com o Senhor vai além de nós mesmos. É um caminho de auto transcendência, é uma via de elevação. O Senhor que está no alto nos atrai e nos leva até ele, guiados pelo seu amor que não faz caso dos nossos limites. “Escreveste-me: \”Orar é falar com Deus. Mas de quê?\”. De quê?! D\’Ele e de ti; alegrias, tristezas, êxitos e fracassos, ambições nobres, preocupações diárias…, fraquezas; e ações de graças e pedidos; e Amor e desagravo. Em duas palavras: conhecê-Lo e conhecer-te – ganhar intimidade!” (São Josemaria Escrivá, Caminho, 91).
Orar não é uma opção; nem mesmo é um dever. Orar é uma necessidade.