A riqueza dos redimidos
Diante da verdade acerca da miséria em que o homem é lançado a partir da sua desfiguração no pecado, compreendemos que apenas a grandeza do mistério de Cristo realizado no tempo, segundo o desígnio do Pai, é capaz de pôr fim à tirania do mal sobre a natureza humana e à todas as suas devastadoras consequências. Cristo é o Filho unigênito que realiza a vontade do Pai até os mínimos e últimos detalhes, colocando a natureza humana decaída novamente em comunhão plena de vida com o Criador de todas as coisas. No seu mistério, o Senhor Jesus devolve ao homem desfigurado a semelhança divina perdida, dando-lhe a chave de acesso ao paraíso perdido e a uma profunda intimidade com o Deus que nunca se cansou de procura-lo, desde o primeiro instante do seu exílio nas trevas do pecado.
Uma vez que para nos salvar, o Verbo divino assumiu nossa natureza humana, este evento comporta uma dúplice consequência para nós: a primeira é redentora, pois Cristo em tudo semelhante a nós, exceto no pecado, nos salva da morte eterna e nos recoloca na comunhão divina: “Ele é o homem perfeito, que restitui aos filhos de Adão semelhança divina, deformada desde o primeiro pecado. Já que, n\’Ele, a natureza humana foi assumida, e não destruída, por isso mesmo também em nós foi ela elevada a sublime dignidade. Porque, pela sua encarnação, Ele, o Filho de Deus, uniu-se de certo modo a cada homem. Trabalhou com mãos humanas, pensou com uma inteligência humana, agiu com uma vontade humana, amou com um coração humano. Nascido da Virgem Maria, tornou-se verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo, exceto no pecado” (Conc. Vat. II, Gaudium et spes, 22); a segunda consequência é exemplar, o que significa que toda a vida de Cristo se torna para nós um exemplo a ser seguido pois, tendo sido feitos filhos no Filhos, cabe a nós imitarmos o Filho bendito para ser agradáveis a Deus e nosso Pai celeste.
A escolha de Cristo pela pobreza para a realização da obra da salvação é particularmente significativa. Para devolver a ordem à criação, Cristo assume a pobreza – entendida como capacidade de receber os dons que são dados, na consciência de não ser o princípio de tudo nem seu fim último – rejeitada por Adão no Éden, que o fez desejar ser mais do que já era, permitindo que seu coração fosse dominado pela soberba e pela mentira, ele que desejava dominar a criação em concorrência com o Criador. A pobreza de Cristo é a cura para a avareza de Adão e o modelo de toda a vida humana, em conformidade com a revelação do amor de Deus.
Aos que foram redimidos por Jesus, portanto, compete a imitação da sua vida por inteiro, particularmente no que tange a sua pobreza redentora, pois ela protege o homem da avareza que culmina na luta contra Deus e sua bondade, fazendo cair na miséria a criatura chamada a saborear a riqueza da bem-aventurança divina experimentada na alma de quem se deixa atrair pelo Deus de misericórdia e amor.
Esta atração, o Senhor a exerce de maneira especial sobre alguns dos seus filhos, os quais elege e chama a si para que possam viver uma vida coerente com o mistério de Cristo, de tal forma que constituam um sinal permanente de lembrança profética acerca da realidade da vida humana – constantemente marcada pela transitoriedade em busca da eternidade – e da sua missão neste mundo: ser santo como o Senhor nosso Deus é santo (cfr. Mt 5, 48). Neste sentido, aqueles batizados que o Senhor chama à vida consagrada na pobreza evangélica, devem pautar a própria existência com um olhar frequente e atento ao mistério da vida de Cristo, de modo a não contradizer a própria vocação e tornar-se, no mundo, sinal vivo e pulsante da presença do próprio Cristo, tal e qual o Pai deseja, permitindo que seu modo de agir e de ser se conforme ao do Filho bendito, renunciando ao que não serve a este nobre objetivo e abraçando tudo o que lhe favorece.
É próprio da pobreza a generosidade, e isso se torna claro e límpido em Cristo. Assim sendo, também aqueles que professam viver a pobreza devem se unir à generosidade de Cristo, sempre e em todas as ocasiões possíveis. Visto que um consagrado a Deus é aquele que dele recebeu um chamado específico de amor no seguimento dos passos de Jesus, para abandonar o que pode ser pesado e receber tudo o que pode leva-lo às alturas do amor de Deus, como est mesmo cristão pode não ser capaz da generosidade com os que estão ao seu redor, ou com aqueles irmãos desconhecidos que o Senhor coloca em seu caminho? Como se pode ter as mãos grandes para receber e, ao mesmo tempo, um coração pequeno para dar? Cristo abiu os braços na cruz pela nossa salvação, e também não se recusou em deixar que o seu coração fosse aberto, pois sempre estaria a jorrar a misericórdia sobre os homens.
Para os que foram redimidos e, principalmente, para os que foram chamados par ajunto do Senhor, a riqueza imensa da graça não pode ser escondida dentro de buracos na terra, nem em lenços em quartos, mas dada com grandeza de alma. Daqueles que são pobres para o mundo mas ricos para Deus, pertence o reino e a glória dos filhos. “Assim, compreende-se porque a primeira das bem-aventuranças é: ‘Bem-aventurados os pobres de espírito’. E ser pobre de espírito é ir por este caminho do Senhor, o qual se abaixou a ponto de se fazer pão para nós no sacrifício eucarístico. Isto é, Jesus continua a abaixar-se na história da Igreja, no memorial da sua paixão, no memorial da sua humilhação, no memorial do seu abaixamento, no memorial da sua pobreza, e enriquece-nos com este ‘pão’” (Francisco, Homilia na capela da Casa Santa Marta, 16 de junho de 2015).
Pe. Everton Vicente Barros
Comunidade Católica Palavra Viva