Aqueles que viram, anunciaram
O relato evangélico que narra a ressurreição do Senhor segundo Mateus nos dá uma visão judaica do evento mais importante da História humana, naquele momento, relatado com uma linguagem e conteúdo distorcidos e maliciosamente articulado. O evangelista conta que os guardas que viram a teofania do momento da ressurreição – tremor de terra, um anjo com a aparência de relâmpago e o rolar da pedra que servia de sigilo do túmulo – foram contar o ocorrido aos sacerdotes e autoridades judias, ao que estes lhes impuseram o dever de espalhar uma mentira, com a garantia de que nenhuma correção receberiam por parte de seus superiores hierárquicos.
A ressurreição do Senhor não pode ser considerada um evento a mais às vistas de ninguém, pois é algo que supera largamente as possibilidades humanas, como até mesmo sua compreensão e visão da realidade. No entanto, isso não significa que a ressurreição suscite sempre a fé no coração daqueles que dela tomam conhecimento.
De fato, na manhã de Páscoa, temos dois anúncios da ressurreição de Cristo: o anúncio feito pelas santas mulheres que vão ao sepulcro ainda de madrugada – gesto realizado apenas pela Madalena, segundo o quarto Evangelho – levando aos discípulos a alegria que brota da esperança realizada, pois o Senhor já havia anunciado que seria o vencedor deste combate; e o anúncio feito pelos soldados às autoridades dos judeus, os quais levam a eles preocupação e grande suspeita, ao que eles mesmos respondem com a invenção de uma mentira que se converte em calúnia contra a Igreja nascente.
Único é o evento – a ressurreição de Jesus – mas duas são as reações que este mesmo evento causa, reações completamente diferentes e, como ficará claro nas primeiras vicissitudes da Igreja apostólica, até mesmo divergentes e produtoras de fortes atritos. De fato, já o Senhor deixara claro aos apóstolos que sua vinda não se destinava a trazer ao mundo uma paz política ou politizada, mas sim a espada que divide em duas partes, colocando de forma clara a contraposição entre a verdade e a mentira (“Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada” [Mt 10, 34]).
O espírito de mentira que guiava aqueles sacerdotes na empreitada de desacreditar a ressurreição do Senhor nada havia de diferente em relação com outro perverso mentiroso: Herodes. Recordemos como ele mentiu para os sábios vindos do Oriente que lhe haviam anunciado a vinda do Messias, o Rei dos Judeus que acabara de nascer, pedindo a estes que lhe comunicassem o paradeiro exato do menino para que também ele o fosse “adorar” (cfr. Mt 2, 1-12). Ambos, Herodes e os sacerdotes, buscam a mesma coisa: manter-se na condição de subjugar o povo a seus caprichos, determinando-se a destruir este “messias” que, segundo eles, lhes ameaça esta estabilidade corrupta. Claro, o Senhor não está tão preocupado com o poder político quanto estes homens de mente e coração corrompidos pensam. A eles nos bastaria a resposta que recebe o Rei Antipas da liturgia da Igreja: “Porque Herodes temes, chegar o Rei que é Deus? Não rouba aos reis da terra, quem Reinos dá nos Céus” (Liturgia das Horas, Hino de Vésperas, Tempo do Natal).
Se grande é a sede destes homens por poder, como também sua falta de escrúpulos para se valer dele para manterem-se em suas cômodas condições, que dizer da postura dos soldados? Como Judas, deixaram-se subornar pelas autoridades, aceitando dinheiro para trair a verdade. Estes homens estavam no lugar da ressurreição do Senhor, talvez até por um desígnio da Divina Providência, como no caso do bom ladrão no Calvário. No entanto, preferiram o fugaz brilho das moedas à luz permanente do Ressuscitado. “É incontestável que os soldados se haviam deixado perder. Os judeus tinham perdido sua vítima e os discípulos haviam recebido de volta seu Mestre, não por meio de um furto, senão pela fé; não pela mentira, mas sim pela virtude; não pelo crime, senão pela santidade; não morto, mas sim vivo” (S. Pedro Crisólogo, Sermão 76).
Estes acontecimentos, estes personagens e suas atitudes devem ser para o nosso tempo presente um ensinamento, valioso e de suma importância: não basta que o Cristo tenha padecido, morrido e ressuscitado para que eu tenha em mim os frutos desta obra de salvação, mas necessário me é nascer de novo (cfr. Jo 3, 7), agora de uma semente incorruptível, aquela que em mim é semeada pela fé no Senhor e na sua Palavra.
Com certeza, para os que comungam da fé no Cristo Senhor não é difícil ver a hostilidade latente do mundo secularizado contra a pessoa de Jesus, sua mensagem e, consequentemente, a realidade profunda da fé da Igreja no seu Salvador. De fato, não é possível que Cristo esteja presente em um coração que almeja a putrefação do sepulcro mais do que o perfume da ressurreição, como fizeram os sacerdotes.
Neste tempo da ressurreição, nosso maior empenho deve ser direcionado ao fortalecimento de nossa fé nesta imensa e grandiosa verdade, renovando o sentido do crer no Senhor com uma disposição interior capaz de ser, em nossas vidas, como a chama perpétua que ardia diante do tabernáculo de Deus em Jerusalém, e que hoje arde diante de inúmeros tabernáculos espalhados pelo mundo, onde está o Senhor Ressuscitado e Sacramentado, de modo que seja a luz da ressurreição a dissipar as trevas do engano que insistem – hoje como antes – em encobrir o mundo de escuridão.