Conosco, cristãos; para nós, apóstolos
Nosso Senhor Jesus Cristo, Filho unigênito do Pai, Verbo eterno encarnado, foi enviado por Deus para redimir a humanidade decaída, imersa no pecado e sem esperança concreta de uma salvação alcançada por si mesma. Desta forma, a eterna sabedoria de Deus se manifesta esplendente e radiosa, produzindo na história a redenção preparada desde os primeiros momentos da criação e a desejada comunhão entre Deus e o homem, almejada desde sempre no coração divino. Este Filho, enviado pelo Pai, por sua vez, tendo realizado o plano de amor e salvação eternos através do mistério da Cruz e Ressurreição, envia seus amigos mais próximos, aqueles em quem mais confiava e que haviam recebido toda a carga espiritual e formativa da revelação que ele mesmo veio trazer ao mundo. A estes amigos, enviando-os, confere o nome de “apóstolos”, isto é, enviados.
No seguimento da história da Igreja, os apóstolos de Cristo deram continuidade à sua obra redentora, não como colaboradores na redenção, mas sim como administradores da graça divina, doada à humanidade em Cristo Jesus, assumindo a missão de embaixadores de Deus, exortando aos homens de todo o mundo à conversão e à adesão da verdade em Cristo (cfr. 2Cor 5, 20). Tal ministério carregado com uma tão grande importância não poderia ter fim com a figura histórica dos apóstolos, mas precisaria ser perpetuado ao longo dos séculos. E isso se deu através dos sucessores destes enviados de Cristo, que se tornaram os pastores do rebanho do Senhor, a quem este mesmo confia – na autoridade da Igreja Apostólica – o ministério sagrado da administração dos bens celestes dados em dom aos homens e mulheres de todos os tempos e lugares.
A missão dos ministros sagrados – especialmente dos bispos, quais sucessores diretos do colégio apostólico –, desempenhada no ardor da salvação das almas e na proteção do sagrado tesouro da tradição apostólica, torna-se também um grande peso colocado sobre os ombros destes homens que, como diz a Carta aos Hebreus (cfr. 5, 2) são rodeados de fraquezas e limitações, partilhadas com os demais pecadores. Tal missão deve ser exercida segundo o desígnio de Cristo, deixado no selo evangélico que marca o nascimento da Igreja ao redor dos apóstolos e que tem sua fonte no próprio mistério do Verbo encarnado. Esta sublime e gravosa vocação havia sido compreendida e expressa em maneira clara por Santo Agostinho quando dizia: “aterra-me o ser para vós, mas consola-me o estar convosco. Sou para vós, como Bispo; estou convosco, como cristão. Nome de ofício, o primeiro; de graça, o segundo; aquele, de risco; este, de salvação” (Sermão 340).
As fraquezas que pesam sobre os ministros de Deus, mais do que a própria missão eclesial, pode gerar – com tem gerado no curso da história – o escândalo relativo à infidelidade ou à queda dos que se comprometem ao anúncio alegre e cheio de vida do Evangelho da salvação, ocultando ou obscurecendo o verdadeiro e autêntico escândalo, que é Cruz do Senhor, o único que gera salvação e vida onde a morte havia o domínio. Acerca disso, afirmou Bento XVI: “Este escândalo, que não pode ser abolido se não se quer abolir o cristianismo, foi infelizmente encoberto, mesmo recentemente, por outros tristes escândalos dos anunciadores da fé. Cria-se uma situação perigosa, quando estes escândalos ocupam o lugar do skandalon primordial da Cruz tornando-o assim inacessível, isto é, quando escondem a verdadeira exigência cristã por trás da incongruência dos seus mensageiros” (Encontro com os católicos comprometidos com a Igreja e com a Sociedade, Alemanha, 2011).
Diante de situações deste gênero, que desestimulam tantas almas no seguimento de Cristo, a pergunta relativa ao papel dos fiéis da Igreja, comprometidos com a vida do Reino e a fé na palavra do Senhor, recebe diversas respostas, com várias tonalidades e diferentes interpretações. Obviamente que não se pode pretender um silêncio absoluto e ineficiente em termos de participação, visto que a mudez não é uma mera ausência de palavras, mas a indiferença das obras. Por outro lado, é preciso compreender bem o modo e o espírito que anima a participação dos fiéis nas vicissitudes da Igreja universal nestes tempos de turbulência e discernimento, para que o agir cristão não se distancie daquele do Cristo, o que resultaria numa verdadeira cisão do laço de amor que liga o discípulo ao mestre, ou se preferirmos, que conserva no autêntico serviço evangélico o servo unido ao seu Senhor.
Se pudermos nos permitir uma resposta à pergunta acima enunciada, uma clara e acertada opção seria aquela de recomendar dois passos do próprio Cristo ensinados aos apóstolos: a palavra respeitosa e amorosa; e a oração fervorosa.
Nosso Senhor, ensina-nos que a partilha do que se sente e se pensa é sempre bem-vinda no seio da sua Igreja, delimitando o respeito e a sinceridade como passos necessários para que a mesma tenha seus efeitos positivos (cfr. Mt 18, 15). Tal atitude se torna, na visão acertada de São Paulo, garantia de fraternidade e proteção da unidade. De fato, diz: “Mesmo em cólera, não pequeis. Não se ponha o sol sobre o vosso ressentimento. Não deis lugar ao demônio” (Ef 4, 26-27).
Em acréscimo, Jesus afirmou a importância da oração pelos que ele mesmo coloca à frente do seu rebanho, ensinando-nos, ele mesmo, a oferecer preces pela fidelidade e pelas lutas dos seus servos, ainda que os mesmos se encontrassem diante de si com a dor da queda. A Pedro, o Senhor afirma: “Simão, Simão, eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar como o trigo; mas eu roguei por ti, para que a tua confiança não desfaleça; e tu, por tua vez, confirma os teus irmãos” (Lc 22, 31-32).
A verdade deve ser sempre alvo da ação do cristão no mundo, pois para isso veio o Senhor (cfr. Jo 18, 37), e para isso fomos todos consagrados em Cristo (cfr. Jo 17, 17). Mas a busca pela verdade e a justiça nunca pode se afastar da caridade e do respeito, sem os quais uma semelhante busca não alcançaria que a fragmentação do corpo místico de Cristo e a exaltação dos limites humanos, sem que em primeiro lugar se manifestasse a maior glória de Deus.
“O apostolado exercita-se na fé, na esperança e na caridade, virtudes que o Espírito Santo derrama no coração de todos os membros da Igreja. Mais o preceito do amor, que é o maior mandamento do Senhor, estimula todos os fiéis a que procurem a glória de Deus, pelo advento do Seu reino, e a vida eterna para todos os homens, de modo que eles conheçam o único Deus verdadeiro e Jesus Cristo, seu enviado (cfr. Jo. 17, 3). A todos os fiéis incumbe, portanto, o glorioso encargo de trabalhar para que a mensagem divina da salvação seja conhecida e recebida por todos os homens em toda a terra” (Concílio Vaticano II, Apostolicam actuositatem, 3).