A imitação da Trindade
A Solenidade da Santíssima Trindade é uma das mais preciosas oportunidades que a Igreja tem ao longo do ano litúrgico para imergir os fiéis no imenso mistério da essência de Deus, que é uno e trino. Tal mistério se conecta diretamente com a vida de cada cristão e de cada homem e mulher neste mundo, pois a certeza da trina-unicidade de Deus abre ao ser humano as portas da compreensão de si mesmo à luz do mistério divino.
A fé da Igreja na Trindade possui seus fundamentos na Sagrada Escritura e na Tradição transmitida pelos Apóstolos e através de seus sucessores ao longo dos séculos da História. Uma fé que não pode ser resumido apenas à um artigo da fórmula do Creio, mas que é vida e sentido de viver de todos os que creem no Deus revelado por Jesus Cristo, qual cume de toda a revelação divina começada em Abraão. Olhar para dentro da Trindade exige que se usem os olhos da fé, pois é um mistério insondável; mas que também se use a razão humana, dom de Deus, para que, a um semelhante olhar profundo, corresponda uma certeza que não se deixa abalar.
Este é nosso intento, contemplar a Trindade. Obviamente, não como uma realidade circunscrita dentro de nossos esquemas linguísticos, mas na intensidade da experiência de Deus que todos podemos fazer. Contemplar a Trindade, para nós nesse momento, será voltar nosso olhar limitado para dentro do infinito, permitindo que os olhos que não enxergam mais do que a luz pode tocar, seja alvo da mais branda e intensa luminosidade, aquela que antes de criar a luz, qual a conhecemos, já resplandecia como glória eterna e infindável. Tal experiência pode muito ser comparada àquela de quem entra em uma bela igreja, ornada com cores e linhas, formas e estilo. Diante de tal visão, ainda que o desejo seja o de ver tudo ao mesmo tempo, para deixar-se tomar pela grandeza, o olhar se fixa em um particular de cada vez, para saborear ao máximo o fantástico espetáculo silencioso que se tem diante. Assim também nossa contemplação da Trindade Santa não pode se deter sobre toda ela, mas podemos eleger um particular deste Trino-Deus de amor e permitir-nos imergir neste mar de beleza divina: a unidade.
“Inseparáveis em sua única substância, as divinas pessoas são também inseparáveis em seu agir: a Trindade tem uma só e mesma operação. Mas, no único agir divino, cada pessoa se faz presente segundo o modo que lhe é próprio na Trindade” (Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, 49). Está a grandeza da unidade da Trindade: uma única substância, um único agir, tudo na diversidade das pessoas ligadas na unidade da essência. Este mistério inescrutável da Trindade coloca-nos diante da sua presença na vida concreta de cada ser humano, criado à imagem e semelhança de deste Deus uno e trino. São João Paulo II, ensinando sobre a grandeza do vínculo matrimonial, afirma: “O \’Nós\’ divino constitui o modelo eterno do \’nós\’ humano” (Carta às famílias, 6). Assim sendo, a existência da Trindade e seu agir se tornam o modelo e a referência máxima do ser e dor agir humano que, criado para partilhar a vida divina, deve se emprenhar por tomar parte do agir divino em sua vida, mesmo depois da ruptura gerada pelo pecado original.
Em concreto, na vida de cada um e de todos nós, devemos esforçar-nos por viver segundo o modelo da Trindade, em unidade perfeita, mesmo que isso nos custe mais a causa das nossas imperfeições e misérias. O Compêndio nos deu a chave para saber como nortear-nos neste caminho, imitando a Trindade “inseparável na substância” e “inseparável no agir”.
Podemos confirmar, infelizmente, que em muitas de nossas comunidades paroquiais, grupos eclesiais, institutos, e mesmo dentro de nossas próprias casas, não nos sentimos parte do corpo ou, simplesmente, não nos engajamos o suficiente e com os mesmos interesses que os demais, buscando nossas satisfações – mais ou menos morais – ou esquecendo-nos do objetivo central de toda obra da Igreja, que é a maior glória de Deus. Ou então, não agimos de modo coerente, gerando discórdia nos ambientes onde estamos, além de tornar difícil a conversão, esse comportamento resulta em um péssimo testemunho para os que nos veem. Imitar a Trindade, com aquela receita do Apóstolo Paulo quando exorta: “Sede solícitos em conservar a unidade do Espírito no vínculo da paz. Sede um só corpo e um só espírito, assim como fostes chamados pela vossa vocação a uma só esperança. Há um só Senhor, uma só fé, um só batismo. Há um só Deus e Pai de todos, que atua acima de todos, por todos e em todos. A cada um de nós foi dada a graça, segundo a medida do dom de Cristo” (Ef 4, 3-6).
A unidade nos conduz a Deus, não como indivíduos separados e isolados de tudo e de todos, mas nos faz tomar parte no grande povo do Senhor, caminhando rumo à pátria bem-aventurada, para degustar as delícias espirituais daquela festa das núpcias do Cordeiro Vencedor na eternidade.
Pe. Everton Vicente Barros
Comunidade Católica Palavra Viva