Nos ombros de um gigante

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Pensar na santidade, principalmente quando este pensamento está coberto de incertezas, pode ser uma dura tarefa. De fato, quando olhamos para os grandes santos da história da Igreja, nossa frágil condição quase se deixa submergir diante da grandiosidade do testemunho de vida que estes homens e mulheres viveram e manifestaram com força inestimável. É mais ou menos o que sentimos quando nos colocamos a pensar em São Bento, que marcou a história do Ocidente de uma forma ainda inédita, ou talvez em São Francisco de Assis, que segue sendo um dos santos mais memoráveis da história, com uma grande família que se abarca sob a solidez do seu carisma, ou mesmo em Santa Teresinha do Menino Jesus, uma santa simples e ímpar, ímpar por que simples ao extremos em sua pequena via, e simples por que ímpar na doutrina singular que nos deixou, capaz de atrair uma multidão infindável de almas à Deus.

Ao mesmo tempo, em meio a uma tão variada multidão de gigantes da fé, temos alguns que são gigantes, mas também muito próximos de nós, seja pela semelhança de vida, pela similaridade de cultura ou somente pela proximidade de época histórica. E um desses gigantes que nos está muito próximo é São João Paulo II, nascido em Wadowice, em 18 de maio de 1920, recebendo o nome de Karol Józef Wojtyła. Eleito Sucessor de Pedro em 16 de outubro de 1978, foi para todo o mundo um farol que brilha forte e faz resplandecer a luminosidade da presença de Cristo no meio do seu povo.

Na sua famosa homilia na Missa de Início do Ministério Petrino (22 de outubro de 1978), o novo Papa havia exortado o povo de Deus e o mundo inteiro a caminhar com um novo modo de vida, que ele mesmo havia adotado desde sempre e que nos ajudaria a viver; e disse: “Não tenhais medo! Abri, melhor, escancarai as portas a Cristo!”. E, acerca disso, afirmou seu sucessor: “Aquilo que o Papa recém-eleito pedia a todos, começou, ele mesmo, a fazê-lo: abriu a Cristo a sociedade, a cultura, os sistemas políticos e económicos, invertendo, com a força de um gigante – força que lhe vinha de Deus –, uma tendência que parecia irreversível. Com o seu testemunho de fé, de amor e de coragem apostólica, acompanhado por uma grande sensibilidade humana, este filho exemplar da Nação Polaca ajudou os cristãos de todo o mundo a não ter medo de se dizerem cristãos, de pertencerem à Igreja, de falarem do Evangelho. Numa palavra, ajudou-nos a não ter medo da verdade, porque a verdade é garantia de liberdade” (Bento XVI, Homilia na beatificação do Servo de Deus João Paulo II, 1º de maio de 2011).

Foi ele o Papa do Novo Milênio, todo dedicado a fazer entrar a Igreja nesta nova época da história humana, sempre com um olhar fixo nas coisas mais elevadas, as que são celestes, de modo a precaver os filhos desta das armadilhas que uma tal atualidade pode conter. Esta tarefa lhe estava clara desde os primeiros minutos do seu pontificado, como ele mesmo afirmou (cfr. João Paulo II, Testamento, 6 de março de 1979).

Desejou e animou as Jornadas Mundiais da Juventude, que se tornaram um espetáculo da força juvenil na Igreja, capaz de sacudir as mais densas estruturas nacionais, pois cada vez que a juventude católica ia a uma cidade para se encontrar com Pedro, não saíam de lá sem deixar uma marca profunda nas populações. Era a força do Evangelho vivido em comunidade, proclamado com o testemunho e exaltado pela fé, pois apenas nele o homem pode encontrar o caminho reto para a sua salvação.

Como moto de seu pontificado escolheu aquilo que já há tempos movia toda a sua vida: a devoção à Santíssima Virgem Maria, com inigualável amor e dedicação. Totus tuus, dizia sempre ele, assim como também escrevia em suas correspondências e documentos pessoais. Esta expressão, que não nos é desconhecida, faz parte de um ato de confiança e entrega, tirado da grande obra de São Lui Grignon de Montfort, Tratado da Verdadeira devoção à Santíssima Virgem (n. 266): “Totus tuus ego sum et omnia mea tua sunt. Accipio Te in mea omnia. Praebe mihi cor tuum, Maria – Sou todo vosso e tudo o que possuo é vosso. Tomo-vos como toda a minha riqueza. Dai-me o vosso coração, ó Maria”.

Efetivamente, pela Virgem o Papa viveu, por ela foi salvo no cruel atentado contra a sua vida no dia 13 de maio de 1981. Ele mesmo, em uma entrevista publicada no ano seguinte, afirmaria: “Uma mão disparou a arma, enquanto uma outra mão a guiava” (A. Frossard, Non abbiate paura!). E assim como viveu por Maria, também a ela se confiou nos momentos finais de sua vida. Já muito debilitado pela idade e pelos efeitos do Mal de Parkinson, o Papa é submetido à uma traqueostomia, destinada a facilitar-lhe a respiração, mas que tem o efeito indesejado de praticamente privá-lo da fala. Terminada a cirurgia e passado o efeito dos anestésicos, o homem que havia gritado a verdade do Evangelho pelos quatro cantos do mundo, em 129 países durante 26 anos de pontificado, agora não podia falar. Uma das mentes mais brilhantes da história recente da humanidade estava aprisionada em um corpo frágil e incapaz de se expressar com clareza. Diante dessa realidade, João Paulo II pede uma folha e, em polonês, escreve ao seu secretário Stanislao Dziwisz: “O que vocês me fizeram!? Mas… Totu tuus” (cfr. A. Tornielli, Quando il Papa pregò: fatemi fare la Pasqua, em il Gionarnale.it, 1 de abril de 2006).

Para muitos de nós é ainda fresca a memória daquele sábado, 2 de abril de 2005, vigília do Domingo da Misericórdia, instituído pelo Papa polonês. A notícia do falecimento de João Paulo II, ainda que tratando-se de um evento já anunciado, chocou a todos, imergindo o mundo católico em um profundo luto, e todo o planeta em grande admiração pela figura que havia deixado esta vida.

Assim são os santos, estes gigantes da fé. E, em especial, foi assim para nós João Paulo II, o Papa “chamado de um país distante”, um grande ser humano, em tudo como nós, mas que também soube deixar-se tornar grande pela ação divina. Alguém que foi criança, jovem, adulto e idoso, deixou uma marca na história que será lembrada para sempre. Um cristão de verdade, que sempre esteve aberto para que o amor lhe ensinasse o que ele necessitava saber e, quando este mesmo amor lhe foi exigido na vida, seja pela orfandade, seja pela guerra ou a opressão comunista, ele soube versar amor naqueles que dele se aproximavam, pois sabia que, ainda que eloquentes, as palavras passam, mas o amor é eterno.

Pe. Everton Vicente Barros
Comunidade Católica Palavra Viva