O mundo é dos espertos!(?)

 

Sim, é bem provável que esta expressão acima colocada seja verdadeira. De fato, cada dia mais a realidade do mundo demonstra que alguém que almeje uma vida com tudo o que pode haver de bom e confortável, deve se sobressair aos demais. É necessário que o mundo seja levado adiante, e isso é uma tarefa destinada aos que mais se destacam pela sua esperteza, pois a falta da mesma só tende a acarretar um inevitável fracasso coletivo.

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Aqueles que são espertos têm a oportunidade de conquistar o que os demais apenas sonham, ou nem sequer isso. Muitas vezes a maioria das pessoas se prestam apenas a conseguirem o que lhes chega, e isso é uma triste acomodação à realidade dada, sem a mínima condição de ser acolhida em um mundo em que o progresso seja, de fato, o bem a ser adquirido. E para isso, não raras vezes, se terá que recorrer aos dotes pessoais com os quais tantos são abençoados.

O mundo tem muita gente inteligente, mas não tantos são espertos o suficiente para galgar aos postos mais altos, para construir as maiores estruturas ou colocar-se em pleno destaque acima dos demais. Isso não depende apenas de trabalho e força de vontade, mas também da capacidade de antever as oportunidades melhores, segurá-las com unhas e dentes e, principalmente, saber guardar segredo, pois ainda que não existam tantos espertos quantos necessitaríamos, ainda assim existem vários. E, como se diz, “malandro é malandro; e mané é mané”.

Agora que já impactamos o suficiente com essas palavras, destinadas a criar um simples e insuficiente perfil daqueles que se acham espertos, capazes de alcançar tudo, não tanto pelo esforço e pela graça divina, mas sim pela sua capacidade de influenciar mentes e gerar confiança, podemos refletir sobre o mal que a “esperteza” acarreta.

Todos conhecemos a expressão “lobo em pele de cordeiro”. Ela deriva de um ensinamento de Jesus deixado no Evangelho: “Cuidado com os falsos profetas, que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas, interiormente, são lobos devoradores” (Mt 7, 15). O seu sentido é claro, e alerta para o perigo de falsos doutores e mestres que se incorporariam no meio dos discípulos para ensinar doutrinas contrárias ao ensinamento de Cristo, sempre com uma apresentação impecável de verdadeiros “santos do pau-oco”, mas também muito convincentes.

No século XII, o grego Nicéforo Basilakis, no prefácio de sua obra “Progymnasmata” (exercícios retóricos), apresenta uma fábula inspirada no texto evangélico: um lobo, ansiando por alimentar-se das ovelhas de um pastor da redondeza, tem a brilhante ideia de se disfarçar de ovelha, para assim poder ter acesso ao redil sem que ninguém notasse, de forma a que, quando o pastor deixasse as ovelhas sozinhas e presas, ele teria toda a facilidade para comer fartamente. O plano deu certo, mas até certo ponto. O lobo conseguiu sim o acesso ao redil, mas não contava que o pastor havia se decidido a sacrificar uma das ovelhas para que pudesse preparar um almoço especial no dia seguinte. A ovelha escolhida? Fácil de imaginar não? O espertíssimo lobo em pele de ovelha, que, confiando totalmente em sua esperteza, tornou-se vítima na pele de suas presas.

Sabemos que este pensamento predatório, próprio dos que assumem a postura da esperteza, não deve ser alvo da admiração de uma pessoa de bem, muito menos de um cristão! O modo de viver, onde o esperto precisa sair na frente, ocultar a verdade, enganar os outros sobre as próprias intenções, nada mais é do que uma selvageria anti-humana, incapaz de abrir espaço para a fraternidade. Como ser irmão de alguém que apenas deseja usar da irmandade para ganhar algo? Impossível.

O chamado do Senhor aos seus discípulos também é destinado ao progresso, ao crescimento nesta vida, buscando construir um mundo cada dia mais semelhante ao ideal de Deus quando o criou. Para isso, o agir dos cristãos precisa se distanciar drasticamente do pensamento mundano, paganizado do ganho absoluto e da conquista às custas de outros. Já nos indicou o Senhor qual a medida da vida de um homem de bem: “Portanto, tudo quanto quereis que os outros vos façam, fazei vós a eles” (Mt 7, 12). E afirma o apóstolo: “Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso espírito, para que possais discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, o que lhe agrada e o que é perfeito” (Rm 12, 2).

A vida do discípulo de Cristo se conforma à do seu Mestre, o qual veio a este mundo, não para que o mundo lhe pertencesse, ou que as estruturas do mundo lhe acolhessem, na continuidade da própria fealdade. Ele veio para indicar o verdadeiro caminho da realização, do bem, do progresso. Este não tem seu cumprimento neste mundo, mas começa aqui, na solidariedade, e se consuma na eternidade. “Bem aventurados os pobres em espírito, pois deles é o reino dos céus. Bem aventurados os misericordiosos, pois alcançarão misericórdia” (Mt 5, 3. 7). Tal verdade é confirmada por um santo Padre da Igreja, que dizia: “Deus me guarde de ser rico, enquanto meus irmãos se encontram na indigência” (São Gregório de Nazianzo, Sobre o amor aos pobres, D 14).

Por fim, uma conclusão podemos tirar de tudo o que vimos, voltando ao início da nossa reflexão. Talvez seja mesmo verdade, o mundo é dos espertos. No entanto, uma coisa é certa: o céu é dos bons e caridosos.

 

Pe. Everton Vicente Barros
Comunidade Católica Palavra Viva