O nosso sim no sim de Cristo

 

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O nosso sim no sim de Cristo

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“Eis que venho fazer, com prazer, a vossa vontade Senhor” (Hb 10, 7). A Carta aos Hebreus nos apresenta este versículo do Salmo 39 como um moto de vida assumido pelo Senhor Jesus na sua encarnação, quando assume a nossa humanidade para, assim, realizar o plano de amor e de redenção do Pai para com todos os homens. Desta forma, o Filho unigênito e eterno de Deus é introduzido no mundo, envolvido pelas trevas do pecado e da morte, para nele fazer resplandecer o glorioso mistério do amor de Deus, consolando o seu povo e construindo para o Pai um reino de sacerdotes e profetas (cfr. Ex 19, 6; 1 Pe 2, 5).

O tempo do Advento é o período do ano litúrgico que nos convida à meditação deste imenso mistério: Deus se faz próximo de nós, se faz um de nós, para nos tornar dignos de entrarmos em comunhão de vida com ele. Deus não é um soberano distante que não se importa com o que possa nos acontecer ou que apenas observa nossas vidas de forma passiva, ele, na realidade, é um Deus de amor e de bondade, que não se conforma à decadência do pecado, mas que vem em socorro das nossas misérias com a sua infinita misericórdia.

Esta vinda de Jesus, nós a celebramos em dois momentos complementares: seu nascimento da Virgem Santíssima em Belém – que lhe confere a descendência davídica decorrente de José, seu pai putativo –, introduzindo o Verbo divino encarnado na história, e seu retorno no último dia, levando esta mesma história à sua plenitude. Assim sendo, celebrar o Advento é a grande oportunidade que temos de olhar bem de perto o mistério da chegada do Senhor, deixando-nos tomar pela admiração da indizível humildade de Deus presente no Menino Jesus, e contempla-lo na sua glória, quando ele voltar no fim dos dias.

A vinda do Senhor, tendo no coração estas palavras que lemos no início tiradas da Carta aos Hebreus, é para nós também elemento de significativa reflexão acerca da nossa experiência com a vontade de Deus. De fato, não raramente, chegar ao fim de um ano litúrgico e no início de um outro, ainda mais por estes períodos corresponderem com a aproximação do término do ano civil, é sempre convidativo para a análise do ano que se prepara para findar e planejamento daquele que deve iniciar. Tal postura é mais que coerente com o nosso ser racional e também se encaixa muito bem com a grandeza da alma que almeja fazer coisas boas, superar os próprios limites, encontrar-se consigo mesmo e com o mundo que nos rodeia.

Diante desta realidade, a maior questão – ao menos para um cristão – será encontrar a vontade de Deus e conhecer o caminho por ele desejado afim de que estes anseios se realizem. Neste sentido, é essencial saber que a vontade de Deus nunca é um enigma obscuro, nem um quebra-cabeça impossível de ser montado sem uma interferência direta do Criador. Pelo contrário, a vontade de Deus já está na nossa alma, pois ela foi criada à sua imagem e semelhança, trazendo um vínculo de vida e comunhão com o Senhor renovado e transfigurado por nosso Salvador no mistério da redenção. Para se conhecer esta santa vontade, importante é o diálogo filial com o Senhor, colhendo das suas diversas manifestações – na Palavra, no anúncio da Igreja, na tradição dos santos, nos ensinamentos dos pastores, na partilha fraterna – o fruto excelente do desejo divino, que se encaixa com os mais profundos anseios que trazemos em nós, delineando com clareza a via que nos conduz à santidade, única e autêntica meta que Deus tem para nós.

“Se, pois queremos dar um grande prazer a Deus, devemos conformar-nos com a Sua divina vontade; mas não só conformar-nos, porém unirmo-nos aos Seus mandados; con­formidade, expressa a união da nossa com a vontade de Deus; mas uniformidade quer dizer mais, quer que a vontade divina e a nossa seja uma só: de maneira que não de­vemos desejar, senão o que Deus deseja e quer. É esta a maior perfeição à qual de­vemos aspirar: este deve ser o objeto de todas as nossas ações, de todos os nossos desejos, meditações e orações” (Santo Afonso de Ligório, Tratado da conformidade com a vontade de Deus, II).

Obviamente que algo tão belo e sublime não poderia acontecer sem que houvessem percalços e estes, na maioria das vezes, é ocasionado pelo inimigo de Deus, o demônio, que não pode permitir que sejamos santos e felizes – necessariamente nesta ordem – se quiser nos afastar de Deus e da salvação. Neste intuito, ele semeará, sempre de forma amena e quase imperceptível, a confusão das ideias, fazendo parecer, no momento da decisão, que não somos capazes de tal caminho, que não temos nada a contribuir para o crescimento de algo que já exista, que não seremos fiéis, que não suportaremos as privações e dificuldades, que não somos dignos, que não somos santos mas apenas queremos aparentar sermos. Tantos “nãos” para tentar sufocar o “sim” de Deus a nós e o nosso a ele.

Se mesmo depois de ter expulsado a confusão da mente, ainda persistirem as dúvidas, isto é, se ainda não soubermos que o que fazemos é vontade de Deus, retomemos o moto do Senhor segundo Hebreus e troquemos a expressão “prazer” por “alegria” (o que, de fato, é o sentido do texto bíblico), e entendamos se o que decidimos, segundo Deus, é algo que nos enche de alegria. A alegria verdadeira, aquela que vem de Deus, se diferencia da euforia em três pontos essenciais: 1. a alegria é serena, enquanto a euforia é barulhenta; 2. a alegria impulsione à frente na direção dos irmãos, para fazer o bem, enquanto a euforia empurra pra frente, na direção do ego e da própria satisfação pessoal; 3. a alegria se completa quando os outros partilham dela, são preenchidos por ela, mesmo que isso exija esforço, enquanto a euforia precisa que os demais saibam do que se sente, não para partilhar disso, mas sim para que estes sentimentos sejam o centro das atenções dos demais.

Se nosso coração está repleto de alegria, a verdadeira alegria, aquela que vem de Deus e nele encontra a sua razão de ser, então estamos no caminho certo, servimos ao desejo do Senhor e, com certeza, na alegria ele sempre nos acompanhará e nunca nos deixará faltar sua mão que nos socorre e seu amor que nos inflama.

Não tenha medo!

Pe. Everton Vicente Barros
Comunidade Católica Palavra Viva

 

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