O silêncio que fala de Deus
“De manhã, tendo-se levantado muito antes do amanhecer, ele saiu e foi para um lugar deserto, e ali se pôs em oração. Simão e os seus companheiros saíram a procurá-lo. Encontraram-no e disseram-lhe: ‘Todos te procuram’”
(Mc 1, 35-37)
Diversas vezes no Evangelho, temos a oportunidade de contemplar nosso Senhor Jesus entregue em oração ao Pai. Um dos passos bíblicos mais significativos desta práxis de Cristo seja, talvez, a o momento em que o Senhor, terminada a ceia pascal com os discípulos, se retira para o horto das oliveiras, não distante do lugar onde se encontravam antes. Nesta ocasião, Jesus eleva a Deus uma oração muito específica, uma oração de súplica e de entrega: de súplica, pois pede ao Pai que se lhe seja afastado o cálice do sofrimento atroz que a salvação dos homens exigia; e de entrega, pois a conclusão da sua oração filial era sempre a mesma “Não se faça a minha, mas a tua vontade” (cfr. Lc 22, 42). Assim era o relacionamento entre o Senhor Jesus e o Pai eterno, um relacionamento de amor e de entrega permanente. E este modo singular de amor entre os dois se manifestava ainda mais intenso na oração, quando os olhos de Cristo se elevavam ao céu para contemplar o Pai. Não porque se não fosse assim Jesus não contemplaria o rosto de Deus, pois ele o via sempre e claramente. Ao elevar o seu olhar ao céu, Cristo elevava a humanidade que, em Adão e Eva, voltaram os olhos para a terra e, por causa do pecado, da vergonha e do medo, não mais conseguiam elevar o olhar ao Criador. O Cristo orante se torna a cura do olhar humano criado para contemplar a beleza e a grandeza de Deus e da sua obra.
No texto bíblico colocado no início destas linhas, tirado do primeiro capítulo do Evangelho de São Marcos vemos a conclusão de um dia inteiro de apostolado na vida de Jesus, logo nos inícios do seu ministério. Ele cura enfermos, expulsa demônios e reúne toda a pequena vila de pescadores – Cafarnaum – em frente à porta da casa de Simão Pedro para anunciar-lhes a boa-nova do reino de Deus. Ao final deste dia intenso, todos se retiram para o merecido descanso, inclusive Jesus, que porém não se permite tomar todos o tempo disponível para o sono, mas, como diz a narração do evangelista, levanta-se bem cedo, quando ainda não existem os rumores da vida cotidiana dos trabalhadores, nem os gritos das crianças a brincar pelas estradinhas; ele sai no silêncio da madrugada para orar no silêncio do coração ao Pai. Vemos que o Jesus não é do tipo barulhento pois consegue sair da casa, sem ser notado, sem acordar ninguém; de fato, naquela manhã os discípulos terão de procura-lo para descobrir onde foi, visto que ninguém o teria visto sair. Também o lugar para a sua oração Jesus escolheu com cuidado, não preferindo um lugar confortável onde seus pés pudessem ainda descansar das longas viagens, ou que pudesse ser facilmente achado pelo discípulos, de forma a ser servido quando sentisse necessidade de algo. Jesus vai para um lugar deserto, pois sua oração é a prioridade naquele momento, e para rezar bem o Senhor escolhe a quietude do silêncio, que apenas fala quando é necessário e permite ouvir o que é mais importante.
A oração é um vínculo espiritual entre o Senhor Jesus e o Pai. Nela os dois confluem no mesmo projeto de amor fundado antes que os tempos nascessem, antes que as palavras fossem criadas, e apenas o Verbo existia em Deus, e em Deus o silêncio amoroso e orante comunicava o amor e a verdade na vida intratrinitária. Na oração Jesus revive e renova em si a vontade do Pai, conhecendo-a mais perfeitamente e amando-a sempre com aquele coração que só sabe amar a Deus e aos homens. Na oração o Senhor se alimenta e repousa, pois ele mesmo diz que o seu alimento é fazer a vontade do Pai (cfr. Jo 4, 34).
A consequência de tudo isso fé trazida ao final da narração: todos procuram Jesus. Obviamente ele é procurado porque em sequer seus discípulos sabem onde ele está. Obviamente as pessoas o procuram por causa dos sinais e milagres por ele operados no dia anterior. Mas não tão óbvio quanto os dois pontos precedentes é a raiz profunda da procura. Jesus é procurado porque está sempre unido ao Pai e o Pai sempre lhe fala ao coração e lhe explica sua vontade na oração silenciosa. Os que procuram Jesus o fazem porque ele sendo Deus – ainda que não conhecido como tal naquele momento – transmite Deus às pessoas. As curas, os milagres, o espetáculo da sua vitória sobre as forças do maligno nada mais são do que a manifestação da presença de Deus no meio dos seu povo.
Hoje em dia vemos tantas pessoas que procuram de tantas formas serem procuradas. Buscam incessantemente a busca dos outros. Quantas pessoas empreendem todo o seu tempo para fazer com que seus perfis na internet sejam acessados e, assim, gloriar-se de números colocados na tela para alimentar uma pretensão de grandeza e uma ilusão de amor barato. Muitas pessoas conseguem fazer muito barulho permanecendo em silêncio diante do celular, enquanto os dedos expressão frias manifestações de autocompaixão, que nada são além de gritos de socorro de almas carentes de sentido e de amor verdadeiro.
O encontro com Deus, no silêncio do coração, mostra ao homem ele mesmo e lhe dá coragem para tirar os olhos daquilo que é baixo e rasteiro e lançar um olhar de esperança na direção do céu, de onde o Senhor nos olha e nos ama com um amor capaz de preencher até a última lacuna da alma humana. “Para mim, a oração é um impulso do coração, um simples olhar dirigido ao céu, um grito de agradecimento e de amor, tanto no meio da tribulação como no meio da alegria. Em uma palavra, é algo grande, algo sobrenatural que me dilata a alma e me une a Jesus” (Santa Teresinha do Menino Jesus, História de uma alma, MB, XI).