Quem são nossos pastores?
O pastoreio do povo de Deus pertence ao único pastor, o Cristo, o filho de Davi, Messias prometido por Deus ao seu povo desde tempos remotos e que, “na plenitude dos tempos” (Gl 4, 4), assumiu nossa condição humana para nos libertas das garras do pecado e da morte, verdadeiros inimigos e lobos vorazes que destroem o rebanho do Senhor. Esta função de pastorear, Jesus a confiou ao seus apóstolos quando os enviou para ensinar o Evangelho aos povos e fazê-los seus discípulos: “Mas Jesus, aproximando-se, lhes disse: Toda autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28, 18-20); os apóstolos por sua vez escolheram sucessores, que continuassem sua missão, assim como eles mesmos foram continuadores da missão de Cristo no mundo para a edificação do Reino de Deus (cfr. At 14, 23. 16, 24; 1 Tm 4, 14. 2 Tm 1, 7). Tal ministério na Igreja foi confiado em particular à Pedro, cabeça visível da Igreja e Vigário de Cristo, a quem o Senhor ordenou que apascentasse suas ovelhas (cfr. Jo 21, 15-19).
A confiança na Palavra de Jesus e no seu poder salvador é o que solidifica a segurança de poder seguir as palavras e ensinamentos dos sucessores dos apóstolos, a quem foi confiado o cuidado e a solicitude pela Igreja em todo o mundo. Além disso, nossa confiança se baseia também na firmeza da fé transmitida por eles, visto serem testemunhas de uma verdade divinamente revelada e guardada com cuidado e respeito ao longo dos séculos.
Não obstante isso, devemos dizer que assistimos à um fenômeno intrigante em nossos dias, frutos de épocas um tanto quanto distantes e incapazes de fazer valer um justo juízo sobre suas atribuições, subjetivamente assumidas. Vemos hoje a existência de muitos “pastores”, que se autodenominam tais ou que simplesmente se valem de um presumido direito de pregar a Palavra de Deus. De fato, talvez deveríamos dizer que nossos dias estão cheios de pregadores do Evangelho, mas carente de testemunhas de Cristo. Isto não significa que se possa desconectar o Evangelho de Cristo, mas sim que é possível pregar o Evangelho sem ser sua testemunha. Testemunhar o Evangelhos de Jesus Cristo implica uma continuidade com a Tradição da Igreja que nos precede; exige uma submissão à doutrina sagrada que há dois milênios esclarece os filhos de Deus em todo o mundo; pede uma obediência à hierarquia, pois até mesmo o Filho de Deus era obediente em tudo ao Pai; espera uma naturalidade da fé, que é serena e digna, diferentemente de tantas manifestações de histeria manipulada e emocionalismo procurado a qualquer custo.
Santo Agostinho, Doutor da Igreja, em um sermão sobre a função e missão dos pastores, delineia o modo como este ministério deveria acontecer, isto é, no cuidado autêntico dos filhos de Deus, que não promete uma vida boa nos moldes pagãos de então – mas não muito diferentes dos de hoje. Ele escreve:
“O pastor negligente, quando alguém se lhe confia, não lhe diz: Filho, vindo para servir a Deus, mantém-te na justiça e prepara-te para a tentação (cf. Eclo 2,1). Quem assim fala fortifica o fraco e de fraco faz firme, de modo que, se lhe forem confiados os bens deste mundo, não se fiará neles. Se, contudo, houver aprendido a fiar-se na prosperidade terena, por esta mesma prosperidade será corrompido; sobrevindo adversidades, ferir-se-á e talvez pereça. Quem assim o edifica, não o constrói sobre pedra, mas sobre a areia. A pedra era Cristo (cf. 1 Cor 10,4). Os cristãos têm de imitar os sofrimentos de Cristo e não, ir atrás de prazeres. O fraco se fortifica, quando lhe dizem: ‘Espera, sim, provações neste mundo, mas de todas elas te livrará o Senhor, se teu coração não voltar atrás. Pois para fortalecer teu coração veio padecer, veio morrer, veio ser coberto de escarros, veio ser coroado de espinhos, veio ouvir insultos, veio enfim ser pregado na cruz. Tudo isto por tua causa, e tu, nada: não para ele, mas em teu favor’. Quais são estes que, por temerem ofender os ouvintes, não apenas não os prepararam para as inevitáveis provações, mas prometem a felicidade neste mundo, que Deus não prometeu a este mundo? Ele predisse labutas e mais labutas, que até o fim sobreviriam a este mundo. E tu queres que o cristão esteja isento destas labutas? Justamente por ser cristão, sofrerá algo mais neste mundo.
Com efeito disse o Apóstolo: Todos aqueles que querem viver sinceramente em Cristo, sofrerão perseguições (2 Tm 3,12). Agora tu, pastor insensato, que procuras os teus interesses e não os de Jesus Cristo, deixa que ele diga: Todos aqueles que querem viver sinceramente em Cristo, sofrerão perseguições. E por tua conta vai dizendo: ‘Se em Cristo viveres piedosamente, terás abundância de todos os bens. Se não tens filhos, tê-lo-ás e os criarás, e nenhum morrerá’. É esta tua construção? Olha o que fazes, onde a colocas. Sobre a areia a constróis. Virá a chuva, o rio transbordará, soprará o vento, baterão contra esta casa; ela cairá e será grande sua ruína” (Santo Agostinho, Sermão 46, 10-11).
Como católicos somos filhos da Santa Igreja e, portanto, dela devemos aprender a amar e servir a Deus como ele deseja ser servido, não como queremos nós servir. Tal postura cunha a alma na fidelidade e estimula o coração na hora da batalha. É na fidelidade à Palavra de Deus e à Igreja que ele fundou que reconheceremos os verdadeiros pastores por ele colocados ao serviço do seu povo.
“Diferentemente do mercenário, Cristo pastor é um guia atento que participa da vida de seu rebanho, não busca outro interesse, não tem outra ambição do que guiar, nutrir, proteger as suas ovelhas. E tudo isto ao preço mais alto, o do sacrifício de sua própria vida” (Papa Francisco, Regina coeli, 26.04.2015).