Sacerdócio: tesouro em vasos de barro
O sacerdócio é um grande dom de Deus à humanidade redimida em Cristo. Santo Afonso de Ligório exclama: “O sacerdote é o ministro, que o próprio Deus estabeleceu, como embaixador público de toda a Igreja junto dele, para o honrar, e obter da sua bondade as graças necessárias a todos os fiéis” (A selva, I, 1). Tal dom inefável descende diretamente do infinito amor de Deus pelos homens, chegando ao ponto da auto aniquilação para que a graça divina pudesse entrar nos corações humanos e transformar a realidade inteira.
A vocação sacerdotal, porém, é confiada a um homem como qualquer outro, nascido de uma mãe e de um pai, criado no interior de uma família – ainda que não de sangue –, conduzido ao longo dos anos a um encontro pessoal com Jesus que muda o seu jeito de ver a realidade ao seu redor e mesmo o próprio futuro, não encontrando lugar no mundo capaz de fazê-lo sentir-se alguém. O incômodo aumenta a cada dia e no final de um caminho de discernimento e escuta aquele homem diz sim ao desejo que surge no coração, diz sim à vocação. Mas o sacerdote não é um super-homem, muito pelo contrário, é o mais necessitado de salvação, geralmente o mais fraco e o que menos tem para oferecer de suas riquezas e tesouros intelectuais e espirituais pois, como diz o autor da Carta aos Hebreus, “ele também está cercado de fraqueza” (5, 2).
Se o sacerdócio é um tesouro tão sublime, tão excelso que, embora seja exercido na terra, deve ser contado entre as coisas do céu, como afirma São João Crisóstomo (Sobre o Sacerdócio, 1, 3), então por que o Senhor o confia a homens tão limitados e pequenos, cercados de fraquezas e privados das excelências humanas. A resposta perfeita conheceremos apenas quando virmos o Senhor face a face. Mas, desde já, podemos compreender o desejo de Deus quando os escolhe à partir do que a Sagrada Escritura nos apresenta. Afirma São Paulo: “O que é estulto no mundo, Deus o escolheu para confundir os sábios; e o que é fraco no mundo, Deus o escolheu para confundir os fortes; e o que é vil e desprezível no mundo, Deus o escolheu, como também aquelas coisas que nada são, para destruir as que são. Assim, nenhuma criatura se vangloriará diante de Deus” (1Cor 1, 27-29); e ainda “Por isso não desanimamos deste ministério que nos foi conferido por misericórdia” (2Cor 4, 1). Assim sendo, Deus escolhe os que escolhe, não por seus méritos, mas por sua infinita misericórdia, chamando para o sacerdócio de Cristo os seus pequeninos, deixando mais perto de si os que mais necessidade têm de sua presença e graça, para depois enviá-los a cuidar do rebanho de Deus, necessitado de pastores segundo o coração de Jesus.
O sacerdote, portanto, é o primeiro a dar graças com a própria vida ao Deus de amor que o salvou, oferecendo sua existência como sacrifício de louvor e estrada de santificação para todo o povo consagrado a Deus. O salmista canta: “Que poderei retribuir ao Senhor Deus por tudo aquilo que ele fez em meu favor? Elevo o cálice da minha salvação, invocando o nome santo do Senhor” (Sl 115, 3-4). E aqui, então, compreende-se a grande obra que o sacerdote deve cumprir em sua vida: elevar a Deus o cálice da salvação, por ele e por toda a humanidade, unido intimamente a Cristo, o Sumo Sacerdote da Nova Aliança, que elevou o santo sacrifício de seu Corpo e Sangue no altar da Cruz. Neste sentido um particular da celebração eucarística é muito significativo. Após a apresentação das oferendas, antes de proferir a oração o sacerdote convida a assembleia dos irmãos e irmãs a orarem por ele, para que o sacrifício a ser oferecido seja acolhido por Deus. O povo reza: “Receba o Senhor, por tuas mãos, este sacrifício, para a glória do seu nome, para o nosso bem e de toda a Santa Igreja”. Esta oração feita pela assembleia de fiéis não está a indicar uma incapacidade do sacerdote para oferecer o sacrifício do altar sem que haja uma intervenção por parte dos fiéis, mas sim quer reconhecer dois elementos muito significativos: a importância da participação do povo de Deus na oferta da Eucaristia realizada, principalmente, através da oração pelo sacerdote e da súplica direcionada a Deus; e a miséria do homem que oferece o santo sacrifício, cercado de fraquezas e, mesmo assim, colocado entre Deus e os homens como pontífice (ponte) por onde chegam a Deus as súplicas da humanidade e descem dele suas graças e bênçãos.
Por ocasião de seu aniversário de 65 anos de sacerdócio, o Papa Emérito Bento XVI recordou a única frase contida no santinho distribuído como lembrança no dia de sua ordenação presbiteral: Eucharistomen, que indica o ato de agradecer. “‘Eucharistomen’ lembra-nos da realidade de ação de graças, daquela nova dimensão que Cristo deu. Ele transformou em gratidão e assim em bênção, a cruz, o sofrimento, todo o mal no mundo. E então basicamente ele transubstanciou a vida e o mundo e deu-nos, e nos dá a cada dia, o pão da verdadeira vida, que supera o mundo graças à força de Seu amor” (Comemoração do 65º Aniversário Sacerdotal de Bento XVI, 29.06.2016).
A vida do sacerdote se torna, assim, uma constante ação de graças pela misericórdia de Deus que o escolheu e pelo amor dos filhos de Deus que o acolhem na fé, encontrando na caridade a força renovadora que faz caminhar e se doar pela salvação dos homens.