Tão sublime sacramento!
“Lauda Sion Salvatorem, lauda ducem et pastorem in hymnis et canticis (Louva, Sião, o Salvador, o teu guia, o teu pastor com hinos e cânticos)”. Assim começava a sequência formulada pelo dominicano Frei Tomás que, juntamente com o frade franciscano Frei Boaventura, se apresentava ao Papa Urbano IV com os textos litúrgicos a serem usados na comemoração da festa do Santíssimo Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo (Corpus Christi) que seria instituída oficialmente pelo Pontífice. Conta-se que o primeiro a declamar os textos preparados foi São Tomás e que, após a sua leitura, diante da admiração de todos os presentes, São Boaventura, sem hesitar, rasgou o que havia preparado para aquela ocasião afirmando que o havia escrito não podia ser comparado ao que o dominicano acabava de declamar.
A grandeza do mistério sagrado da Eucaristia nos comunica a maravilha do amor insondável de Deus, que nunca permite que o homem fique abandonado às próprias forças, mas o nutre no seu caminho cheio de aflições, mas também permeado pela graça divina e pelo bem natural dado na criação. Esta obra salvadora e santificadora de Deus permiti-nos ver o plano de amor que existe dentro de seu coração amoroso e cheio de misericórdia para conosco. O Senhor conhece mais do que qualquer um o que trazemos dentro de nós, nossos pecados, nossas fraquezas, nossos medos e angústias; mas conhece também a beleza que carregamos conosco, fruto da imagem e semelhança com as quais fomos criados e do destino divino a que somos chamados em Cristo. Desta forma, o Senhor pode sempre vir a nosso encontro com aquilo que mais necessitamos e o que realmente desejamos, ciente que mesmo o pecado que em nós consegue habitar, não corresponde à nossa dignidade nem à nossa autêntica vontade.
No seu discurso na sinagoga de Cafarnaum, Jesus indicou aos seus ouvintes e aos discípulos que deveriam levar adiante sua obra, que ele mesmo foi enviado pelo Pai para ser o alimento que dá a verdadeira vida aos que dele comem. Diz: “Eu sou o pão da vida. Vossos pais, no deserto, comeram o maná e morreram. Este é o pão que desceu do céu, para que não morra todo aquele que dele comer. Eu sou o pão vivo que desceu do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão, que eu hei de dar, é a minha carne para a salvação do mundo” (Jo 6, 48-51). O maná do deserto era o alimento que Deus havia provido ao povo de Israel enquanto caminhava em direção à terra prometida sob a guia de Moisés e de Aarão. Este alimento se assemelha e difere do Corpo de Cristo em alguns aspectos fundamentais. Assemelha-se pelo fato de ser o alimento dado por Deus para o povo que caminha na direção da “terra onde corre leite e mel” (Ex 33, 3), símbolo do Paraíso celeste ao qual o novo povo de Deus tende em virtude da salvação em Cristo. Difere em dois pontos fundamentais: em primeiro lugar, porque o maná era o alimento que os israelitas não sabiam o que era, apenas que era dado pelo Senhor (cfr. Ex 16, 15), já o verdadeiro pão do céu sabemos que é o Corpo do Senhor Jesus (“Eu sou o pão da vida”); em segundo lugar, o maná alimentou o povo na caminhada no deserto, terminando de cair no dia em que os israelitas atravessaram o Jordão e entraram na terra de Canaã (cfr. Js 5, 12), tendo sido um alimento provido para a vida biológica das pessoas que dele comiam, enquanto que a Eucaristia, o Corpo do Senhor dado aos fiéis, gera neles a vida divina na comunhão com o Cristo destinada a posse da eternidade bem-aventurada no céu, onde “Deus será tudo em todos” (1Cor 15, 28).
A oração da coleta da Missa de Corpus Christi nos impele a pedir ao Senhor Jesus que nos dê a graça de venerarmos com grande amor o mistério do seu Corpo e do seu Sangue. Eis aqui a autêntica reação diante deste milagre oculto aos olhos. Reconhecer a grandeza da presença do Senhor Jesus nas espécies eucarísticas é indispensável para os que desejam alcançar a felicidade eterna no céu, assim como o maná no deserto foi vital para que o povo de Israel chegasse à terra prometida. “O alimento da alma é o corpo e o sangue de Deus! … Oh! formoso alimento! A alma não se pode alimentar senão de Deus. Só Deus pode bastar-lhe. Só Deus pode saciá-la. Fora de Deus não há nada que possa saciar-lhe a fome” (São João Maria Vianney, Sermão sobre a Eucaristia).
O hino que ouvimos na benção eucarística ao final da celebração de Corpus Christi, em uma das suas partes, recita: “Verbum caro, panem verum, Verbo carnem éfficit: fitque sanguis Christi merum, et si sensus déficit, ad firmándum cor sincérum sola fides súfficit (O verbo encarnado, o pão real com sua palavra muda em carne: o vinho torna-se o sangue de Cristo, e como os sentidos falham, para firmar um coração sincero, apenas a fé é eficaz)”. Somente pela fé podemos contemplar em seu esplendor o mistério eucarístico que se renova todos os dias em nossos altares. Celebrar com solenidade o Corpo e o Sangue de Cristo nada mais é que dedicar um dia para festejar este glorioso milagre, com toda a honra e alegria que não podemos dedicar-lhe todos os dias de forma externa, mas que deve ser a realidade do nosso coração sempre que celebramos a Santa Missa.
“Regozija-te, minha alma, e agradece a Deus tão excelente dádiva e singular consolação, que ele te deixou neste vale de lágrimas. Porque todas as vezes que celebrares este mistério e receberes o corpo de Cristo, renovas a obra de tua redenção e te tornas participante de todos os merecimentos de Cristo. Pois a caridade de Cristo nunca se diminui, nem se esgota jamais a grandeza de sua propiciação. Por isso te deves preparar sempre para esse ato pela renovação do espírito, e considerar com atenção este grande mistério de salvação. Tão grande, novo e delicioso se te deve afigurar, quando celebras ou ouves missa, como se Cristo no mesmo dia descesse pela primeira vez ao seio da Virgem e se fizesse homem, ou como se, pendente da cruz, padecesse e morresse pela salvação dos homens” (Imitação de Cristo, Lib. IV, cap. 2, 6).