Uma coroa para todos os nascimentos
O dom da vida! Algo tão próximo de nós e tão simples de ser percebido, mas também, tão difícil de ser explicado. Vida. Eis o nome que damos ao estado permanente daqueles que gozam da animação da própria existência, isto é, que são atualmente animados, que se movem e fazem mover, que fazem parte do mundo e nele se tornam completamento do conjunto da obra da criação.
A vida – é importante lembrar isso, ainda que todos o saibam, mesmo fingindo não saber – inicia com o dom do amor, pois é pelo amor que os esposos se unem e, na doação total e recíproca, irradiam a si mesmos um para o outro, culminando tal ato na geração de um filho. Nesse momento, segundo sua divina e sapientíssima disposição, Deus une este ato sublime dos seres humanos ao seu ato absoluto enquanto Criador de todas as coisas, dando ao fruto dos corpos humanos a fecundidade da vida sem fim. Essa é, na sua essência, a realidade da concepção, tal como acontece na união do homem e da mulher, no seguimento da divina sabedoria que tudo dispôs para que o nascimento de uma criança pudesse, com certeza, ser chamado de “milagre da vida”.
Outro nome que este acontecimento poderia receber é o de “milagre do amor”, pois mesmo quando a concepção acontece sem que exista amor entre o homem e a mulher, ou mesmo quando apenas o desejo sexual disfarçado de amor os arrebata, quando Deus infunde a alma naquela junção de células, o torna um ser humano amado, querido e desejado ardentemente por Deus, como qualquer outro sobre a terra. O amor que vence tudo, até mesmo os mais baixos instintos e atos humanos, é uma epifania milagrosa de Deus.
Um nascimento é a coroação deste mistério, do caminho de maturação daquela obra de arte feita por Deus com o auxílio dos homens. Algo que não brota da destreza humana, nem da sua perspicácia ou de suas máquinas caras e cheias de telas. Brota do amor de Deus que se derrama no coração humano. Brota do amor de uma mãe e de um pai, que se unem para amar um rosto que ainda não viram, e abraçar um pequeno corpinho que ainda não tocaram. Tudo isso, como manifestação de amor, toca o céu, pois não há amor vivido nesta terra que não seja digno de alegrar o coração do Criador.
Uma vez, uma jovem mãe me disse algo que muito me fez refletir: “Que grande mistério é esse! Quando uma mulher leva no seio uma criança, ela traz em si duas almas, a sua e a de seu filho”. De fato, sabemos que a alma não está contida em algum reservatório dentro do corpo, mas é a forma deste. No entanto, é também verdade que a união profunda entre o filho e sua mãe, enquanto este se encontra no seu ventre, é algo que não se pode pensar em nada que se lhe possa assemelhar na humanidade. Efetivamente, uma intimidade como essa apenas se pode pensar na que o Senhor estabelece com a alma dos seus eleitos, onde ele é mais íntimo que o próprio indivíduo.
Dentre todos os nascimentos que já ocorreram sobre esta terra, a primazia vai, obviamente, ao de Nosso Senhor Jesus Cristo. Porém, justamente para que este nascimento ocorresse, Deus preparou um outro anterior, sublime mais que qualquer outro nascimento de uma criatura, pois era dada à luz a mais perfeita obra das mãos divinas, a Virgem Maria. Ela, ao nascer, resplandece qual luzeiro incandescente e luminoso entre a escura descendência de Adão. Nascendo imaculada, Maria fulge em meio aos pobres pecadores qual farol de esperança. Ela é a Stella matuttina, é a aurora fulgurante de beleza, que vem ao mundo para que dela nasça o Sol que ilumina o universo.
Em um belíssimo sermão, afirma o Pe. Antônio Vieira: “Quereis saber quão feliz, quão alto é e quão digno de ser festejado o Nascimento de Maria? Vede para que nasceu… Nasceu para que dEla nascesse Deus… Perguntai aos enfermos para que nasce esta celestial Menina, dir-vos-ão que nasce para Senhora da Saúde; perguntai aos pobres, dirão que nasce para Senhora dos Remédios; perguntai aos desamparados, dirão que nasce para Senhora do Amparo; perguntai aos desconsolados, dirão que nasce para Senhora da Consolação; perguntai aos tristes, dirão que nasce para Senhora dos Prazeres; perguntai aos desesperados, dirão que nasce para Senhora da Esperança. Os cegos dirão que nasce para Senhora da Luz; os discordes, para Senhora da Paz; os desencaminhados, para Senhora da Guia; os cativos, para Senhora do Livramento; os cercados, para Senhora da Vitória. Dirão os pleiteantes que nasce para Senhora do Bom Despacho; os navegantes, para Senhora da Boa Viagem; os temerosos da sua fortuna, para Senhora do Bom Sucesso; os desconfiados da vida, para Senhora da Boa Morte; os pecadores todos, para Senhora da Graça; e todos os seus devotos, para Senhora da Glória. E se todas estas vozes se unirem em uma só voz, dirão que nasce para ser Maria, a Mãe de Jesus” (Sermão do Nascimento da Mãe de Deus).
Como cândida flor que brota no jardim do mundo, assim nasce a doce Maria, para vencer a fealdade instaurada no mundo pelo pecado, e para ornamentar com sua incomparável beleza o novo jardim de Deus, no qual agora ele planta e faz crescer o esplendor dos seus santos. Eis a coroa das concepções. Eis a coroa dos nascimentos. Eis a formosura da raça humana.
Bendito seja Deus, por ter feito nascer no seio da humanidade, a Santíssima Virgem Maria!